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quinta-feira, 22 de março de 2012

Poema da Água

A água também nasce pequenina - nasce gota de orvalho ou de neblina... A água também tem a sua infância - quando apenas riacho cantarola brinca de roda nos redemoinhos salta os seixos que encontra e faz apostas de corrida - travessa - por entre as grotas e peraus e arranca as flores que a marginam para engrinaldar a cabeleira solta sobre o leito revolto das areias... A água também tem adolescência - sonha lagos românticos à lua fitando os astros namorados dela embevecida em seus olhos de ouro... e assim sempre amorosa e sonhadora vai tecendo e bordando - dia e noite o seu vestido de noiva nas montanhas e o seu véu de noivado nas cascatas... A água também tem maturidade - fica serena e grave em rios fundos e num destino generoso e amigo espalha a vida que em si mesma encerra semeia bençãos para o grão de trigo abre caminhos líquidos da terra e enlaça os povos através dos mares... A água também tem sua velhice -e de ver-lhe os cabelos muitos brancos onda lenta de espuma destrinçada em neve, nos ares flutuando... A água também sofre...e quando sofre se faz divina e vem brilhar em lágrimas ou se reflete a dor da natureza geme no vento transformada em chuva. A água também morre...e quando seca - e a sua morte entristece tudo : choram-lhe, enfim na desolação, todos os seres vivos que a rodeiam porque ela é o seio maternal da vida e de tal maneira ama seus filhos rudes que muitas vezes para os salvar se deixa ficar sem o murmúrio de uma queixa prisioneira de poços e açudes... Bendita seja, pois, água divina que fecunda, consola, dessedenta, purifica, e que, desde pequenina, feita gota de orvalho, mata a sede das plantas entreabertas e prepara o festivo esplendor da primavera... e que, nascida em píncaros da serra vem de tão alto, procurando sempre ter um fim de planície e de humildade até perder, na última renúncia, o nome de batismo de seus rios para ficar anônima nos mares.

Raul Machado